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Compartilhando: Pierre Lévy discursa sobre gestão do conhecimento e mídias digitais

Bom dia!

O texto compartilhado de hoje é sobre o discurso do professor e filósofo francês Pierre Levy, especialista em cibercultura, a respeito de Gestão do Conhecimento e mídias digitais. O original foi publicado, em 23 de agosto de 2011, no blog da Agência RS e pode ser acessado aqui, mas a partir de agora passa a ser reproduzido no nosso blog:

Pierre Lévy discursa sobre gestão do conhecimento e mídias digitais

Carismático, descontraído e espontâneo. É assim que um dos maiores filósofos da cibercultura, Pierre Lévy, subiu ao palco, na última quinta-feira, do Auditório Camargo Guarnieri, na Cidade Universitária de São Paulo, para participar do segundo encontro do Ciclo USP 2.0.

A Universidade vem se preocupando com o futuro da educação e a importância de estreitar a relação com as mídias digitais. Estar à frente e avançar para inserir a educação superior neste contexto é um dos maiores desafios da Universidade de São Paulo.

Referência internacional nos estudos da informação virtual, Lévy foi convidado a entrar na Royal Society of Canada no ano de 2004 – similar aAcademia Brasileira de Letras. Já foi professor na Universidade de Paris VIII (de 1993 a 1998) e, atualmente leciona na Universidade de Ottawa, uma das mais antigas universidades do Canadá. Seu livro “Cibercultura” é presença marcante em todas as faculdades de Comunicação e Arte do mundo.

O Ciclo USP 2.0 iniciou às 14 horas com o professor Pierre Lévy. O evento ofereceu tradução simultânea – do inglês ou francês para o português. Logo após discursaram Helio Chaves Filho, diretor de Regulação e Supervisão da Educação a Distância (da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior do MEC) e também o professor Gil da Costa Marques, Coordenador de Cursos de Graduação Semipresencial e Pós-Graduação a Distância da USP. Após os discursos, os três mestres fomentaram a participação dos participantes com uma mesa redonda.

Lévy iniciou afirmando que seu ensinamento seria esotérico em dois sentidos: a linguagem esotérica que é incompreensível às pessoas que não estão inseridas neste contexto de pesquisa específica, e a linguagem esotérica que referencia figuras e ícones como símbolos de comunicação e reflexão de autoconhecimento. “Todos entenderão e reconhecerão a relevância das informações, será óbvio”.  O conhecimento na Era Digital é diferente das tradições comunicólogas comuns, o filósofo ressalta a importância da gestão desse conhecimento pessoal e coletivo.

 

Collective Knowledge: The Information Age

“Não há uma inteligência coletiva sem inteligência pessoal”, afirma Pierre. Estamos vivendo na era em que todos, ou pelo menos a maioria da população mundial, estão conectados com as redes sociais e mídias digitais. O fato é: como utilizar essas ferramentas para gerenciar todo esse conhecimento que adquirimos?

Confira a partir daqui os principais trechos do discurso de Pierre Lévy, que iniciou pontuando quatro etapas para este processo de comunicação coletiva:

1 – Gerenciamento da Atenção (Management Attetion): definir sua área de perícia seja sua área de atuação ou a qual pretende explorar. Devemos nos perguntar “onde estamos e onde queremos ir”. E para isso deve-se estabelecer uma disciplina pessoal. É muito fácil distrair-se, por isso a extrema importância em se focar e permanecer focado. Não só observar o fluxo de informação, mas saber prioridades e ter níveis de interesse.

2 – Conhecimento Categorizado (Categorize Knowledge): escolher as fontes de informação e não misturar plataformas/canais com fontes. Pessoas, instituições, grupos, etc, são as fontes de conhecimento. E o meio utilizado para transmitir este conhecimento é a plataforma ou o canal. Por exemplo, o Twitter não é uma fonte confiável, pois são inúmeras pessoas que produzem, sendo apenas uma ferramenta que interliga essa transmissão. Você é o responsável pelas fontes de seu conhecimento, pois é você quem seleciona suas conexões. Categorizar o conhecimento é filtrar as informações, ainda mais na web onde existem muita redundância e discursos irrelevantes, há um trabalho cognitivo. E onde armazenar todos esses inputs na memória? Uma das mais famosas soluções é a TAG. É importante categorizar isso, não só para você, mas também para as pessoas entenderem o que você está estudando, a linearidade de seu raciocínio e pensamento.

3 – Memorização (Memory Register): memorizar informações a curto e longo prazo. O ciclo cognitivo é importante ser gravado, talvez escrever uma síntese para você mesmo. Cada indivíduo faz esse registro da forma que melhor lhe convém: post em blog, caderno de anotações, ou até mesmo escreve um livro.

4 – Compartilhar (Shared Knowledge): e finalmente temos o aspecto de compartilhar, é a etapa da gestão do conhecimento coletivo.  Depois dessas etapas de gestão do conhecimento pessoal, há um processo de descrição do discurso para o coletivo. Você expõe a informação de acordo com o teu histórico de conhecimento específico e geral, e logo há um diálogo entre o que foi transmitido e quem recebeu a mensagem.  Cada indivíduo tem seu próprio conhecimento e atua de diversas maneiras ao receber tais informações. Você recebe um feedback que talvez o faça reavaliar seu processo de categorizar e assim retorna ao início do ciclo – o gerenciamento da atenção.

 

Social Knowledge Cycle

O gerenciamento do ciclo do conhecimento social é o estudo sobre a padronização da linguagem na civilização da conversação criativa. O conhecimento implícito funciona, mas é difícil de ser compartilhado. Geralmente está num contexto específico, por exemplo, como você anda de bicicleta? E então você não consegue explicar, precisa mostrar. Para partilhar você precisa transformar de um estado tácito para explicito, onde as informações poderão ser transmitidas a qualquer momento de forma descontextualizada.É necessário entender esse processo entre o conhecimento tácito e explícito. O conhecimento pessoal está enraizado numa prática comum e particular. O conhecimento coletivo está explícito e denomina numa prática comum:

  1. Conhecimento Centrípedo – do tácito para explícito;
  2. Conhecimento Centrífugo – só é válido de transformado na prática real. Você se apropria daquele conhecimento e o incorpora na prática.
  3. Conhecimento Circular – a troca entre pessoas que estão discutindo algum conhecimento e transformam o tácito em explícito.

A gestão de conhecimento pessoal deve ser ensinada desde o primeiro ano no ciclo de educação do ser humano.

A situação básica em que todos nós nos encontramos é o presente. E o presente divide-se em dois reinos: o real e o virtual. Também há outras divisões como corpo e mente, matéria e espírito, etc.

 

Relacionamento com a Mídia: o espaço entre o material e o simbólico

Temos um corpo que é real que pode sentir, está em relação com o mundo material. Obedece a Lei da Física. O espaço material é um tipo de tempo material ou seqüencial (o agora, em seguida o amanhã). Está alinhado e mantém uma progressão constante: não dá para voltar e é difícil avançar além, você precisa seguir o tempo, segundos por segundos.

Quem eu sou não é material, existe num mundo simbólico. Existem processos de aprendizados, são processos cognitivos que são informados pela cultura simbólica. Por exemplo: a minha alma interna e como eu estou pensando. Penso numa linguagem específica ou em várias (imagens, música, etc). Tudo isso é simbólico. É o aspecto simbólico da cultura.

Uma vez que temos um mecanismo material no fundo do mundo real, também temos um mecanismo no mundo virtual: abstrato, define a especial humana, capacidade de manipular símbolos. Todos os animais têm capacidade de comunicar, mas nem todos fazem perguntas ou organizam agendas. Mas nós conseguimos manipular os símbolos.

Esse mecanismo simbólico (intelecto) é o mesmo. O espaço simbólico acontece em algum lugar. Onde estão as idéias? Está num outro espaço, em outro reino, reino das idéias. E nesse lugar o tempo é seqüencial? Não, é o tempo da memória, de alguma forma você consegue voltar para o passado e o que ocorre agora modifica a idéia que temos do futuro e transforma a idéia do passado. É complexo, é o tempo em que cada significado está relacionado com outra peça.

Sendo assim, o espaço material é imutável e linear. O espaço simbólico é um sistema dinâmico não-linear, não apresenta um único sentido, você conseguir ir-e-vir e mudar uma idéia que teve no passado modificando suas idéias no presente e futuro.

Uma parte de nós vive no espaço material e outra nesse reino ‘esqui to’ da memória – espaço simbólico. Nós projetamos imagens da mente no reino físico e projetamos alguns aspectos do reino físico no reino mental.

A palavras “media” vem de médium, entre o real e o irreal.

Usamos a mídia para transcrição de uma geração para outra geração. Estamos sempre na geração presente, há o antes e o depois. Relacionamos-nos com a geração passada e também com a futura. O relacionamento com a geração passada não é passivo, você tem que querer aprender.

Como você recebe e como você transmite? Através da mídia escrita, impressa, eletrônica… Os processos de transmissão e emissão são diferentes. E qual a nossa situação em relação a mídia?

O que é o meio? É algo que está entre o real e a mente. Há muitos aspectos técnicos que afetam os meios de espaço e tempo. Por exemplo, o telefone, que torna a mensagem instantânea (referência de tempo), mas pode estar em lugares distantes (referência de espaço). O meio afeta a configuração da memória. E o significado é sempre relacionado à memória. Você só compreende a sentença porque você conecta a última palavra a primeira palavra da frase. Há uma sentença semântica e gramatical como denominador comum da comunicação.

Teremos que lidar com a mídia digital por muitas gerações, séculos e séculos. Nós nunca ‘desinventaremos’ a mídia digital, como nunca ‘desinventaremos’ a escrita. É irreversível. Mas algo não vai ficar estável: o poder dessa mídia vai crescer de forma que não poderemos controlar. O poder da computação. As máquinas vão ser mais e mais eficientes.

A capacidade de comunicação vai continuar a crescer, a largura de banda (internet) também. Teremos acessos em todos os lugares (já temos!). De certa forma, haverá diferentes interfaces.

 

IEML – Information Economy MetaLanguage

O mais difícil na filosofia é construir problemas.

Atualmente há exploração máxima da mídia técnica (tecnólogos e engenheiros que desenvolvem softwares e fabricam ‘engenhocas’ da computação no geral). Constroem-se inúmeros meios de transmitir informações (celular, computador, tablet, etc). Como explorar esse poder de comunicação? Com um novo tipo de linguagem, uma escrita que seria capaz de explorar toda habilidade do computador. Cientistas da computação falam da inteligência artificial, mas na verdade estão automatizando o raciocínio real.

ESTRUTURA DE IDÉIAS: do conceito à simulação à percepção.

CLASSES DA PERCEPÇÃO:
– Noumenon (numeral – sem o uso dos sentidos, um objeto postulado);
– Phenomena (fenomenal – é entendido como uma experiência, uma ocorrência observável).

Há as percepções de fenômenos e a que é simplesmente imaginada ou sonhada. São aspectos que estão sempre presentes nas idéias. Uma das idéias é a parte sensorial da imagem, essas percepções podem ser visualizadas e vividas no mundo real.

Outro é o aspecto afetivo, é o tempo todo. Não existe um estado de mente ou pensamento sem afetividade. Nosso cérebro não funciona sem neurosensores.

Em referência ao aspecto de conceito, nós como seres humanos temos vantagem, pois os animais não têm conceitos. Podemos ter um modelo formal de idéia. Por exemplo, todas percepções possíveis serão interpretadas por nosso modelo de idéia denominado URL (que será um endereço multimídia).

A parte mais difícil é o conceito, não necessariamente existe um conceito conectado a outro. Primeiro você precisa regularizar uma rede enorme de conceitos, como por exemplo, a língua. Como definem a uma palavra no dicionário? Referenciando com outras palavras, há um relacionamento entre os conceitos que fazem referências a outras frases. É um complexo de conceitos, idéias e cognição.

IEML é um design de sistema de anotação científica, uma linguagem metalinguística – sistema de endereço. Todo ciberespaço considera uma hierarquia de sistemas de endereços. É possível analisar sob o ponto de vista histórico:

LÓGICA – Sistema automalógico: em 1950, cada bit de informação tinha um endereço específico no hardware da máquina;

INTERNET – Em 1980, já era possível endereço dos próprios computadores numa outra grande rede de computadores.

WEB – Década de 90: a invenção da web com endereços de dados ou página. Não se pode mais ter hiperlinks entre ‘documentos’ se você não tiver os endereços desses ‘documentos’ na rede, é um tipo de caminho de um endereço da web para outro. WWW é a soma de todo esse caminho entre os arquivos/dados.

SEMÂNTICA – No IEML é proposta uma quarta camada de endereço. É uma língua de metadados. Os dados já têm endereços, precisamos de metadados que precisam ser transparentes para humanos e dos computadores ao mesmo tempo.

Essa metalinguística é uma rede de conexões: relação entre o verbo e o substantivo; objeto e verbo de uma proposta; relação entre adjetivo e substantivo; tudo isso são parte de uma rede sintagmática.

E Pierre concluiu seu discurso explorando a rede de conceitos no IEML: “reproduzirmos o mesmo tipo de dialética de forma virtual e coletiva: a mesma linguagem para todos”. O professor supõe uma nova inteligência coletiva aumentada.

“Há o córtex psicológico e hipercórtex digital, sensores e motores. Fazendo a gestão disso estão os metadados discursivos, ou seja, a capacidade de ir do conceito para concepção. Há metanível de interpretação e arquivamento das informações. E metadados são dados do ponto de vista físico.” Lévy encerra explicando que dar significados para os textos em IEML está relacionado com a capacidade de refletir suas próprias habilidades conectivas, mas não há uma capacidade coletiva de reflexão. Por isso é necessário gerir o conhecimento pessoal, para que haja um ciclo, um compartilhamento de informações numa única linguagem de forma que o conhecimento (e a sua transmissão) torne-se coletivo.

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